Indústria 4.0 – como entendê-la no contexto brasileiro

0
639

Na Parte I deste artigo, foi abordado o aspecto conceitual da indústria 4.0. Nesta Parte II, vamos aprofundar um pouco como está o Brasil em relação ao tema, grandes ações em andamento, bem como quais expectativas podemos formar desde já.

Como sabemos, nosso Brasil é um país de contrastes. Sempre será possível encontrar exemplos de empresários confiantes e arrojados, que já se movimentaram alinhando seus negócios para tirar partido de avanços tecnológicos e das soluções no nível indústria 4.0. A oportunidade de conhecer esses casos e, se possível, visualizar o efetivo potencial das implementações realizadas é sempre riquíssima.

Por outro lado, não podemos perder de vista que, de maneira geral, o estágio de desenvolvimento da indústria 4.0 no Brasil ainda é muito incipiente, tanto em termos dos chamados projetos greenfield (projetos novos e que já nascem integralmente concebidos nos moldes da indústria 4.0, logo sem restrições ou interferências da operação original), como em termos dos chamados projetos brownfield (remodelagem de operações existentes e, com a adoção parcial ou integral de soluções da indústria 4.0, transformação delas em fábricas inteligentes).

Para termos uma ideia comparativa mundial, quando se fala em indústria 4.0, tem sido adotado, como indicador do avanço de cada economia em direção à transformação de sua manufatura, o acompanhamento da densidade robótica publicado pela IFR (Federação Internacional de Robótica). Esse indicador mede o número de robôs industriais para cada 10 mil funcionários na indústria de transformação. Por exemplo, os países líderes atualmente têm números no patamar 300 a 500 (Coreia, Cingapura, Japão e Alemanha), as economias industrializadas no patamar médio tem acima de 70. A China e o Brasil figuram muito mal, respectivamente com 36 e 11. Ou seja, a famosa curva em formato de dinossauro, com a cabeça erguida, seguida pelo corpo e depois uma longa cauda.

Além dessa comparação quantitativa, também é importante avaliarmos a evolução tecnológica em grau de adiantamento na elaboração de políticas, programas e implementações. Alguns países trataram rapidamente de entender o processo de transformação tecnológica e adotaram posturas proativas, criando as condições necessárias para traçar as estratégias mais efetivas de atualização de seus parques industriais, com visão de curto, médio e longo prazo.

Esse foi o caso, por exemplo, da Alemanha, onde foi cravada a expressão industrie 4.0, ainda no início desta década, e do Japão, ambos com iniciativas estruturadas para suportar atualização tecnológica e se manter na vanguarda da manufatura.

Estados Unidos e União Europeia como bloco também vêm tratando o fenômeno com a mesma atenção, de forma tal que seus indicadores de número de robôs industriais guardam uma estreita relação entre si, apesar de abaixo em relação a Alemanha e Japão.

A China, em que pese quantitativamente ainda ter indicador inferior em relação ao número de robôs, tem demonstrado um entendimento estratégico e forte quanto à necessidade de atualizar indústria, mediante ações governamentais. Na qualidade de economia fortemente baseada em exportação de manufaturados, vem gradualmente se tornando vulnerável pela redução da sua vantagem competitiva, que era baseada principalmente no baixo custo da mão de obra. As iniciativas declaradas no planejamento estratégico da política econômica para as próximas três décadas são focadas em atualização tecnológica e expansão do papel que ocupa atualmente na economia global, de grande país fabricante de produtos, para tornar-se criadora de produtos avançados. Como sempre, o tamanho da economia chinesa faz com que qualquer movimentação sua repercuta pela economia global.

E, de volta ao nosso Brasil, é necessário reconhecer que há sinais por todos os lados de que perdemos algum tempo precioso. É certo que estivemos nos debatendo com uma crise econômica contracíclica, desde 2014, que drenou nossas energias enquanto o restante do mundo começava a realizar melhoras em seus resultados econômicos. Mas a percepção de atraso em relação ao tema indústria 4.0 se faz por todos os lados, principalmente, quando nos conscientizamos que essa expressão, até recentemente pouco comentada, de repente tornou-se frequente na mídia e nas ações institucionais e empresariais. Assim, o melhor que podemos fazer é reconhecer nosso atraso e adotar o senso de urgência para sair correndo atrás do prejuízo.

Algumas iniciativas tardias já se apresentaram; o Grupo de Trabalho (GTI 4.0) com coordenação do MDIC (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços) trabalhando a política nacional. Também há iniciativas de outros órgãos como a ABDI, (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial) a FIESP (que realizou um grande Congresso em 2017), a CIESP, e o SENAI-SP que buscam a construção de um programa de difusão de conhecimento, diagnóstico setorial e traçar trajetória recomendada para desenvolvimento.

Com certeza, para termos sucesso nessa transformação, precisaremos aprofundar e dar continuidade a essas iniciativas, para desenvolver um trabalho fundamentado e consciente de transformação de nossa indústria, assim como já vimos que foi feito em outros países. E nesse intento encontraremos desafios de caráter geral e outros que são muito específicos do Brasil. Vamos falar um pouco sobre cada um deles.

No plano da transformação tecnológica, é reconhecido que um dos maiores desafios não é simplesmente a aquisição e implementação de máquinas e tecnologias, que se constitui em apenas uma das faces do processo. Em um estudo pioneiro sobre o assunto, publicado pela McKinsey (Industry 4.0 Global Expert Survey 2015), cita-se que um dos pilares do sucesso na transformação da indústria 4.0 é a garantia de Gestão Eficiente do processo como um todo.

Com o crescimento exponencial da aplicação de tecnologias, muitas delas autônomas e operando de forma interativa com as outras, o processo produtivo se torna muito mais vulnerável a falhas operacionais, oscilações ou colapsos em elementos da infraestrutura de comunicação, ou até mesmo ataques cibernéticos. Apenas uma gestão muito eficiente e bastante preventiva poderá minimizar esses riscos. E o atingimento desse nível de gestão depende fortemente de disponibilidade de pessoas qualificadas para desenvolver e manter processos que extraiam os melhores resultados das novas tecnologias implantadas.

No plano interno do país, também há que se considerar duas grandes vertentes de dificuldades que precisaremos abordar e superar, a conjuntural e a estrutural.

Primeiramente, sob um enfoque conjuntural, a recente crise econômica, como citamos acima, não foi totalmente superada, fazendo com que ainda lidemos com os efeitos do prolongado período de redução no emprego e consumo interno. Apesar dos sinais de recuperação que já se fazem sentir neste início de 2018, sabemos que as etapas iniciais de recuperação econômica geralmente ocupam capacidades disponíveis e, apenas num segundo momento, quando a confiança no crescimento está mais disseminada, geram os novos investimentos em capacidade, modernização e eficiência. Além disso, esses investimentos envolvendo tecnologia digital, que fazem sentido na enorme maioria dos negócios na indústria de transformação, são ainda mais atrativos quando pensamos em indústrias que tipicamente envolvem processos complexos de fabricação de peças, montagem de produtos finais, bem como, movimentação e manuseio em cadeias de suprimentos longas e diversificadas. E alguns desses setores ainda têm alguma dificuldade para iniciar uma trajetória de retomada sustentável, por exemplo veículos e bens de consumo durável.

Em segundo, temos os fatores estruturais, autoexplicativos, que deverão ser adequados à transformação digital na indústria brasileira:

  • Infraestrutura tecnológica deficiente no tocante à conectividade – banda larga;
  • Infraestrutura física deficiente para crescimento, relativa à logística de transportes, geração e transmissão de energia;
  • Modelos inadequados e pouco atrativos para financiamento de novos projetos, principalmente com investimentos em tecnologia envolvendo equipamentos importados;
  • Insegurança jurídica que prejudica atratividade ao investimento direto com capital nacional e internacional;
  • Altos custos de implantação de projetos (serviços, juros, impostos sobre materiais e equipamentos importados, burocracia para licenciamento).

Ou seja, de um ponto de vista bastante estratégico, podemos entender que o sucesso nessa transformação do parque produtivo brasileiro depende tanto da tecnologia em si, quanto da recuperação de nossas condições de desenvolvimento industrial, em grande sentido prejudicadas ao longo de anos.

Setores público e privado tem consciência de que padecemos de modelos e decisões erradas, nos quais houve falta de visão estratégica de estado quanto ao papel da indústria no desenvolvimento nacional, com a consequente carência de condições adequadas. No mundo de hoje, todos os alvos são móveis e uma indústria que não acompanha o desenvolvimento tecnológico fica estagnada, tornando-se menos produtiva e sem condições de competir no mercado global.

Também ficou patente que por algum tempo houve subserviência e até um certo deslumbramento por um modelo econômico muito focado em commodities. Commodities que são boas quando o preço sobe e geram uma riqueza suplementar, mas não podem ser os únicos pilares da geração de riqueza, pois na falta de produtos industriais a economia assume a característica eminentemente extrativa.

A base de uma economia desenvolvida precisa ser suportada por uma indústria robusta, sem a qual, dificilmente, um país supera o patamar da chamada renda média para adentrar o grupo dos países desenvolvidos. Além disso, a indústria é um dos segmentos econômicos que mais gera empregos de boa qualidade e assim distribuição de renda consistente.

Contudo, a despeito de todas essas dificuldades conjunturais, se tivermos sucesso no equacionamento macroeconômico da visão estratégica, com a geração e manutenção segura de políticas industriais mais focadas em desenvolvimento, estaremos no limiar de um campo bastante promissor: a indústria 4.0 sendo a grande chance para resgatar o protagonismo perdido pela indústria como fator de desenvolvimento nacional.

Podemos afirmar isso uma vez que a automação avançada, como já vislumbrado em comentário acima sobre a economia chinesa, diminui a vantagem competitiva dos países chamados LCC (Low Cost Countries) cujo diferencial é o custo da mão de obra. Com a diminuição, por parte do processo produtivo, dessa dependência da mão de obra intensiva barata, a tecnologia se tornará, mais e mais, um fator nivelador de custos globais de manufatura. Países como o Brasil, onde o custo de mão de obra não é competitivo com o Sudeste Asiático, por exemplo, poderão recuperar segmentos industriais que num momento anterior migraram para aqueles países.

Um último comentário sobre o Brasil. A indústria 4.0 contempla o uso mais racional e sustentável dos recursos materiais e energéticos ao longo da cadeia, e o Brasil tem oportunidades de sobra para tirar partido dessa grande alavanca, potencializando diversas vocações específicas, dentre elas com destaque nossa matriz energética e a cadeia de produtos florestais.

Enfim, temos desafios a serem encarados com bastante objetividade e sem dar espaço para a auto-ilusão. Esses desafios passam não só pela transformação digital da indústria 4.0, mas também pela revisão das bases de nossas políticas para desenvolvimento industrial. Mas há uma expectativa otimista de que direcionar esforço a esse processo pode ser a oportunidade de posicionar o Brasil no rol das economias avançadas, com os consequentes benefícios que isso traz para a sociedade.

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here